OS PRECURSORES DA REFORMA Por Abraão de Almeida

João Wicliffe, o primeiro precursor da Reforma, era professor de Oxford. Conhecendo a Palavra de Deus e desejando salvar o seu país da tirania papal, ele escreveu tratados em defesa da verdadeira fé e também traduziu quase toda a Bíblia para a língua inglesa, tendo por base e Vulgata. Para essa gigantesca obra, ele reuniu as palavras-chave dos duzentos dialetos falados em sua pátria, tornando-se, dessa forma, um dos formadores da língua inglesa. Ao morrer, em 1384, sua grande obra foi continuada por João Purvey e concluída em 1388. As cópias dessa Bíblia foram objeto de grandes queimas públicas nos anos de 1410 e 1413, mas pelo menos 170 delas ainda existem até hoje.

Jerônimo de Praga, nobre piedoso, ao visitar a Inglaterra e conhecer a verdade mediante os luminosos e instrutivos escritos de Wicliffe, levou alguns para a Bavária. A fim de extirpar o mal pela raiz daquilo que chamavam de heresia, os líderes religiosos reuniram-se em magna assembléia em Praga, a 16 de julho de 1410, e promoveram enorme fogueira em que foram queimadas mais de duzentas preciosas obras de Wicliffe. Enquanto esses insubstituíveis tesouros eram consumidos pelas chamas, os sinos da Sé tocavam e o povo cantava um “Te Deus laudamos” (Ó Deus, te louvamos!). Embora muitos não percebessem, o que acontecia em Praga era o prelúdio de uma grande perseguição contra os verdadeiros cristãos daqueles dias, perseguição que levaria ao martírio um dos maiores heróis da fé do passado. 

João Huss (1369-1415), o segundo dos precursores da Reforma, parece ter tido um verdadeiro arrependimento em sua juventude. Mais tarde, ao ler os escritos de Wicliffe, percebeu melhor as riquezas da vida espiritual e tornou-se pregador muito popular. Multidões se reuniam para ouvir dos lábios dele o evangelho pregado na língua materna. Dirigia-se ao povo como um pai aos seus filhos, e com muito carinho e bondade assistia aos aflitos e necessitados. 

Huss tornou-se professor catedrático da Universidade de Praga e Capelão da Corte, e tinha entre seus ouvintes a bondosa rainha Sofia, que muitas vezes ia à igreja a fim de ouvir o famoso pregador, o “professor João”, de Husinecz. 
Apesar de ser grande a sua influência, tanto em virtude de suas poderosas mensagens bíblicas quanto pela sua maneira piedosa de viver, o anátema do papa e do bispo caiu sobre Huss, de sorte que em Praga ninguém podia ser por ele batizado, casado ou sepultado dentro da religião católica. 






Em 1414 teve início em Constança um concílio geral a que compareceram os mais altos dignitários eclesiásticos da Europa. A conselho do imperador Segismundo, e munido de um salvo-conduto por este assinado, Huss dirigiu-se ao concílio. A sua intenção era avistar-se com o papa e expor perante ele o seu caso, mostrando que nem ele nem a sua pátria eram hereges. A sua prontidão em apresentar-se perante tão magna assembléia era prova da sua sinceridade. Ele achava que os fatos que desejava apresentar, por serem tão puros, mostrariam a todos que tudo o que havia falado e escrito era para a salvação dos pecadores. 
Mas Huss se enganara. Ao chegar a Constança em novembro de 1414, prometeram-lhe uma audiência com o papa, mas em vez de cumprirem a palavra, o encerraram numa cela escura e malcheirosa de um mosteiro dominicano. 











Mais tarde foi transferido para uma das torres do palácio do arcebispo de Gottleben, onde muitas vezes foi algemado de pés e mãos. A comida era miserável, o que mais fazia piorar a saúde. Os seus inimigos tudo faziam para o atormentar, mas “o menor padre de Cristo”, como ele chamava a si mesmo, suportou tudo pacientemente, orando pelos que o maltratavam. Dois dias depois do último interrogatório, Huss escreveu o seu testamento espiritual aos crentes da Bavária, um precioso texto que revela como esse precioso homem teve forças para cuidar dos crentes da sua pátria. 

No final da carta ele pede: 
“Orai a Deus pela sua graça, pelo rei da Bavária, por vossa Senhora, a rainha, a fim de que o bondoso Deus na sua misericórdia habite convosco tanto agora como no gozo eterno.”  
Na reunião de 6 de julho de 1415, o concílio condenou Huss à morte por crime de heresia e de muitas outras coisas. Despiram-lhe as vestes sacerdotais, que lhe haviam vestido para a ocasião. Deram-lhe também um cálice, o que logo lhe foi tirado com a expressão: 
“Maldito Judas que abandonaste o caminho da paz. Tiramos-te agora o cálice da redenção.” 
A horrível cena terminou com todos os presentes exclamando em coro: “Agora entregamos tua alma ao diabo!”, ao que Huss respondeu: “Porém eu a encomendo nas tuas mãos, Jesus Cristo, porque a remiste.” Em seguida colocaram-lhe sobre a cabeça uma mitra alta, de papel, com três terríveis desenhos de demônios, e com a inscrição “Heresiarca”. 

Assim vestido, o mártir da Bavária, há até bem pouco tempo Tchecoeslováquia, foi conduzido, sob forte escolta, ao lugar do martírio. Ao aproximar-se da fogueira viu uma mulher apanhando alguns pequenos ramos secos e juntando-os à lenha, e exclamou: “Santa simplicidade”. Ligado com uma cadeia de ferro enferrujado ao pescoço, deram-lhe a última oportunidade de salvar a vida mediante a negação de tudo o que havia ensinado e escrito, mas ele, olhando para o céu, respondeu: 
“Deus é minha testemunha de que nunca tenho ensinado ou pregado o que falsamente me tem sido atribuído por falsas testemunhas. Com  aminha pregação, meu ensino e meus escritos, tenho desejado apenas uma coisa – a conversão dos homens. Nesta verdade do evangelho, que tenho ensinado e pregado, quero alegremente morrer.”
Assim vencidos pela inabalável firmeza de Huss, seus algozes atearam fogo à lenha. Enquanto as chamas cresciam, Huss cantava em voz alta: 
“Cristo, Filho do Deus vivo, tem misericórdia de nós”.  
Depois, não podendo mais cantar por causa do furor das labaredas, passou a orar até render o espírito. Os inimigos da verdade queimaram na mesma fogueira as roupas de Huss, e lançaram no rio as suas cinzas. Mas o clarão daquela fogueira jamais se apagou!  
Jerônimo de Praga continuou a gloriosa obra de Huss e também pereceu na fogueira, na mesma cidade de Constança, no ano de 1416. Cumpriu corajosamente sua missão. Antes de expirar, assim se expressou em relação aos seus carrascos: 
“Senhor, Pai Todo-poderoso, tem piedade de mim e perdoa meus pecados; pois sabes que sempre amei tua verdade”. 
Sua voz cessou, mas os lábios continuaram a mover-se em oração. Tendo o fogo efetuado a sua obra, as cinzas do mártir, como a erra sobre a qual repousavam, foram reunidas, como as de Huss, e lançadas no Reno. 

Assim pereceram os fiéis servos de Deus. Mas a luz das verdades que haviam proclamado, a um tão elevado preço, jamais haveria de se extinguir. Digna de citação aqui é a sociedade na Holanda, em 1340, com o nome de Irmãos de Vida Comum. Do seio dessa sociedade saiu, por volta do ano de 1470, a famosa obra Imitação de Cristo, que alcançou oitenta edições antes da Reforma. Os Irmãos de Vida Comum possuíam, no Norte da Alemanha e na Holanda, seminários freqüentados por 1.200 estudantes. 


Esses destemidos irmãos, através de uma obra maravilhosa, educaram e prepararam os povos do Norte da Europa para que mais tarde recebessem com alegria os pregadores e os princípios da Reforma, o que de fato aconteceu.  

Retirado do Livro: Lições da História Que Não Podemos Esquecer, págs. 139 à 142  Editora Vida. Fragmento do capítulo 11 - "Apóstolos e reformadores na Idade Média" Abraão de Almeida
1a. Edição - 1993
OS PRECURSORES DA REFORMA Por Abraão de Almeida OS PRECURSORES DA REFORMA Por Abraão de Almeida Reviewed by Ezequiel Ramalho Gomes on outubro 31, 2016 Rating: 5

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