HONRA, ÉTICA E VERGONHA NA CARA




“Se eu ganhasse desse jeito, o que ia falar para a minha mãe."

É impossível, numa conversa que envolve o tema da corrupção, deixar de atrelar a ele a questão do relativismo moral, da ética da conveniência – “se é bom para mim, tudo bem”.


Gostaria de iniciar este nosso bate-papo lembrando um fato que ocorreu no final de 2012, em Navarra, Espanha, e que tomou proporções consideráveis ao ser divulgado.


Em uma corrida de cross-country, o queniano Abel Mutai, medalha de ouro nos três mil metros com obstáculos em Londres, estava a pouca distância da linha de chegada e, confuso com a sinalização, parou para posar para fotos pensando que já havia cumprido a prova.

Logo atrás vinha outro corredor, o espanhol Iván Fernández Anaya. E o que fez ele?

Começou a gritar para que o queniano ficasse atento, mas este não entendia que não havia ainda cruzado alinha de chegada. O espanhol, então, o empurrou em direção à vitória.

Bom, afora o ato incrível de fair play, há uma coisa maravilhosa que aconteceu depois. Com a imprensa inteira ali presente, um jornalista, aproximando o microfone do corredor espanhol, perguntou:

“Por que o senhor fez isso?”

O espanhol replicou: “Isso o quê?”

Ele não havia entendido a pergunta – e o meu sonho é que um dia possamos ter um tipo de vida comunitária em que a pergunta feita pelo jornalista não seja mesmo entendida –, pois não pensou que houvesse outra coisa a ser feita que não aquilo que ele fez.

O jornalista insistiu: 

“Mas por que o senhor fez isso? Por que o senhor deixou o queniano ganhar?”. “Eu não o deixei ganhar. Ele ia ganhar”.

O jornalista continuou: “Mas o senhor podia ter ganho! Estava na regra, ele não notou...”. “Mas qual seria o mérito da minha vitória, qual seria a honra do meu título se eu deixasse que ele perdesse?”.

E continuou, então, dizendo a coisa mais bonita que eu li envolvendo a questão da ética do cotidiano:

“Se euganhasse desse jeito, o que ia falar para a minha mãe." 


Mário Cortela


HONRA, ÉTICA E VERGONHA NA CARA HONRA, ÉTICA E VERGONHA NA CARA Reviewed by Ezequiel Ramalho Gomes on julho 29, 2016 Rating: 5

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